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29/08/2021

Há 50 anos, chega ao fim o padrão-ouro e cria-se o sistema a ser substituído pelo Bitcoin.

Bitcoin
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Não é exagero afirmar que o Bitcoin (BTC) é uma cria do sistema financeiro moderno. De fato, a primeira frase do white paper escrito por Satoshi Nakamoto traz uma crítica ao sistema financeiro. E o surgimento deste sistema moderno completará 50 anos no próximo dia 15 de agosto.

Foi em 15 de agosto de 1971 que o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, disse que o país não mais converteria o dólar em ouro. Como resultado, o sistema de Bretton Woods acabou e, com ele, o último resquício de dinheiro sólido. A partir daí, o mundo entrou na era das moedas fiduciárias.

Ao longo de meio século, o sistema fiduciário gerou desigualdades, colapsos financeiros e crises mundiais. Em contrapartida, também gerou seu principal nêmesis, que agora também começa a se infiltrar no coração dessa estrutura.

O padrão-ouro clássico.


Durante séculos, o mundo viveu sobre a vigência de uma única moeda: o ouro. Calma, as atuais moedas (dólar, libra, franco suíço), bem como as antigas (lira, marco alemão) também existiam. Porém, elas serviam apenas como medidas para determinadas frações de ouro. Assim, uma libra esterlina equivalia a 1/5 de grama de ouro, um dólar equivalia a 1/20 de grama de ouro e assim por diante.

Essa “medida” de dinheiro era fixa, ou seja, as moedas sempre tinham esse valor. Na prática, um inglês poderia viajar para os EUA e trocar uma libra por quatro dólares, por exemplo. Afinal, ambas as moedas eram apenas medidas de ouro. Seria como trocar um metro por 100 centímetros, por exemplo.

Esse sistema começou a ruir com as duas guerras mundiais, período no qual, para arcar com os altos custos dos conflitos, muitos países passaram a imprimir dinheiro descontroladamente. Dessa forma, suas moedas passaram a se desatrelar do ouro e perder valor. Tal processo ocorreu em locais como Alemanha e Áustria, que sofreram uma hiperinflação e crise econômica severas.

Finalmente, em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a influência geopolítica mundial sofreu uma reviravolta. A Europa, devastada e destruída pelo conflito, perdeu seu lugar como centro do mundo. Os EUA, vencedores e com seu território intacto, viraram a nova potência mundial. E antes mesmo do conflito acabar, trataram de impor sua ordem econômica.

Acordo de Bretton Woods

Em julho de 1944, um acordo foi elaborado entre delegados de 44 nações que estabeleceram o dólar norte-americano (USD) como a moeda de reserva do mundo, que estaria atrelada ao ouro. Os demais países, por sua vez, teriam suas moedas atreladas ao dólar, e, portanto, ao ouro, de forma indireta.

Em Bretton Woods, ficou estabelecido que a âncora do dólar seria de US$ 35 por onça-troy, medida que equivale a 31,1035 gramas de ouro. Com isso, os EUA se tornaram o único país que mantinha sua moeda atrelada ao ouro após o fim da guerra. Até então, os EUA estavam há 155 anos no padrão-ouro.

Para dar resultado, os EUA precisavam de ouro para lastrear sua moeda. Por isso, o acordo também previu que os países, especialmente as potências europeias, remetessem seus estoques do metal para o oeste do Atlântico. E assim ocorreu: em 1944, cerca de 20.000 toneladas faziam parte das reservas de ouro estadunidenses, armazenadas no mítico Depósito de Ouro dos Estados Unidos, em Fort Knox.

Durante mais de 20 anos, o sistema, embora não fosse um padrão-ouro genuíno, funcionou bem. Os EUA respeitavam o padrão e, consequentemente, os demais países controlavam a emissão de suas moedas em relação ao dólar. Com algumas exceções – como a severa hiperinflação da Hungria em 1946 – as economias cresciam e enfrentavam períodos de pujança.
Guerra do Vietnã e nova corrida do ouro

Esse sistema, que já era frágil em relação ao padrão-ouro original, começou a degringolar a partir de 1965. Aquele ano marcou o auge da Guerra do Vietnã e, ao mesmo tempo, um boom econômico nos EUA. E, como todo período de riqueza, estimulou o governo a gastar

Com isso, o então presidente Lyndon Johnson começou a criar programas sociais e a financiar os gastos da guerra. Em 1964, o presidente começou a aumentar os impostos, que tinham sido reduzidos pelo seu antecessor, J. F. Kennedy. Cinco anos depois, Richard Nixon criou novos impostos, cujas alíquotas chegaram até 50%.

Na década de 1970, o banco central dos EUA (Fed) iniciou uma política de expansão monetária. Ou seja, os EUA começaram a imprimir dólares sem respeitar o lastro criado em Bretton Woods. Contudo, o excesso de moeda ia justamente contra o padrão-ouro, que serve para impedir essas aventuras.

Como resultado, a quantidade de dólares no mundo aumentou a um ritmo muito maior do que o nível do ouro em Fort Knox. Rapidamente, os demais países perceberam que os EUA não respeitariam mais o lastro do dólar e, com isso, passaram a exigir a devolução de seu ouro.

Paulatinamente, as reservas de ouro estadunidenses foram caindo e deixando os EUA numa situação complicada. Os aliados já percebiam que o país não conseguia arcar com todos os dólares que emitiu. Em pouco tempo, Nixon precisou decidir entre ficar com a sua política expansionista ou com o padrão-ouro. A decisão saiu em 15 de agosto de 1971, com o histórico discurso do presidente.

“Instruí o secretário Connally a suspender temporariamente a conversibilidade do dólar em ouro ou outros ativos de reserva, exceto em quantias e condições determinadas como sendo no interesse da estabilidade monetária e no melhor interesse dos Estados Unidos”, disse Nixon naquele dia.
A era fiduciária

Na prática, a decisão de Nixon naquela data teve dois grandes efeitos. O primeiro deles foi o de que os EUA não mais iria restituir dólares em ouro. Em outras palavras, o governo do país deu um verdadeiro calote nos países que tinham enviado seu ouro para Fort Knox.

Em segundo lugar, Nixon também acabou com o lastro de US$ 35 por onça-troy, declarando também o fim do sistema de Bretton Woods. Após 182 anos, os EUA pela primeira vez deixavam o padrão-ouro, seja de qual forma ele tenha sido executado.

A partir daí, o dólar não mais possuiria qualquer tipo de referência para seu valor. A confiança na moeda passou a ser não mais as reservas de ouro, mas a palavra do próprio governo. Por isso, o dólar tornou-se uma moeda fiduciária, palavra que vem do latim fiducia (confiança).

O fim de Bretton Woods não impactou apenas os EUA. Simultaneamente, as demais moedas do mundo passaram a não ter ligação com o ouro. Afinal, o sistema preservava esse laço de forma indireta, pois as moedas eram atreladas ao dólar. Essa referência acabou quase num piscar de olhos.

Foi como se, de repente, a unidade de referência do sistema métrico desaparecesse, deixando as pessoas sem ter um norte para medir o tamanho das coisas. Não havia mais nenhuma definição para medir o valor das moedas. Resultado? A cotação das moedas passou a flutuar entre si, criando as famosas taxas de câmbio que existem hoje.

Sim, converter real em dólar, ou dólar em libra, para viajar ou comprar bens, é uma criação moderna. As taxas de câmbio também. E para completar, o preço do ouro simplesmente começou a disparar. Hoje, uma onça-troy já vale mais de US$ 1.800, demonstrando a perda de poder de compra do dólar.
Inflação e crises

Conforme visto, o fim do padrão-ouro começou muito antes de Bretton Woods. No começo do século XX, vários países desatrelaram sua moeda do metal. As consequências foram desastrosas, sendo que não seria um exagero chamar o século XX de “século das hiperinflações.”

Um exemplo disso é a tabela Hanke-Krus, criada pelos professores de economia Steve Hanke e Nicholas Krus. A tabela contém nada menos que 56 dos piores casos de hiperinflação ocorridos na história (curiosamente, o Brasil não está na lista).

Todos eles, com exceção de oito, ocorreram após o fim do padrão-ouro em 1971. Além disso, todas elas apresentam taxas brutais de aumento nos preços. Por exemplo, Hungria e Zimbábue, líderes da lista, tiveram desvalorizações tão severas que os dados precisaram ser escritos em formato exponencial.


Durante 38 anos, os cidadãos não tiveram formas de se proteger. Não havia mais ouro, visto que muitos países restringem ou até proíbem sua compra. Recorrer a moedas fiduciárias “fortes” apenas servia para diminuir o ritmo de empobrecimento.

Era possível recorrer a investimentos para se proteger da inflação. No entanto, esses produtos eram mantidos “quase exclusivamente de instituições financeiras que servem como terceiros confiáveis para processar pagamentos eletrônicos.” Por fim, ter acesso a bancos ainda é caro e pouco acessível aos mais pobres.
Inimigo e filho pródigo

Tudo isso mudou em 2008 quando o autor da frase entre aspas deu ao mundo mais nove páginas com a sua maior obra-prima. Nascia o Bitcoin, fruto do maior experimento monetário dos últimos 100 anos. Experimento que, sob todos os aspectos, fracassou e apenas gerou pobreza, distorções e moedas cada vez mais fracas.

Sim, o BTC surgiu para combater o sistema atual, mas também é fruto dele. Se o mundo ainda vivesse no padrão-ouro, com uma moeda estável e segura, provavelmente a criptomoeda não teria sido criada. A obra de Satoshi surgiu como um inimigo e, ao mesmo tempo, o filho pródigo de um sistema falido.

Hoje, cada país, empresa e até pessoa pode criar seu próprio Fort Knox e guardá-lo dentro do seu bolso. O Bitcoin não pode ser confiscado e não precisa de grandes galpões para ser armazenado. É um ativo inconfiscável, verdadeiramente escasso e uma moeda moderna por excelência.

O Bitcoin será capaz de tornar-se o padrão monetário do futuro? Por enquanto, é difícil dizer. Mas quando o atual experimento monetário finalmente ruir, o mundo precisará de alternativas. O velho metal amarelo, como a história mostra, possui grandes falhas. Nesse momento, os novos dígitos laranjas e inconfiscáveis terão a chance de fazer o seu próprio 15 de agosto.






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